Maturidade e envelhecimento no trabalho: entrevista com Dra. Arlete Portella Fontes

Como lidar com o estresse e a desmotivação profissional na vida adulta? Como as organizações podem valorizar a experiência dos profissionais veteranos para mantê-los engajados com o trabalho?

Arlete Portella Fontes é doutora e mestre em Gerontologia, ciência que estuda o processo de envelhecimento em seus aspectos psicológico, físico e social. Formada em psicologia clínica e organizacional, Arlete atua há mais de 25 anos como psicoterapeuta e, desde 2004, desenvolve trabalhos sobre maturidade e envelhecimento com foco em resiliência e enfrentamento de estressores na velhice e no trabalho.

Em sua dissertação de mestrado, “Enfrentamento de estresse no trabalho: relações entre idade, experiência, autoeficácia e agência”, ela defende a necessidade de valorização dos profissionais veteranos pelas organizações. A experiência profissional dos veteranos é capaz de produzir resultados positivos em seu ambiente de trabalho, tais como mão de obra madura e maior capacidade para lidar com situações estressantes.

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Dra. Arlete Portella concedeu uma entrevista ao blog da Viva! Experiências sobre maturidade e envelhecimento no trabalho. Confira a entrevista na íntegra abaixo:

1 – Quando um funcionário tem muitos anos de casa (25, 30, 35 anos em uma mesma empresa) é comum que a vida profissional compartilhe de alguns momentos da vida pessoal como, por exemplo, casamento e nascimento dos filhos. Neste caso, conforme o funcionário vai envelhecendo, é importante que a empresa o valorize não apenas pelo seu desempenho profissional por meio de bônus no salário, mas também proporcione momentos especiais de lazer e bem-estar ao lado da família, invista em qualidade de vida, procure saber quais são seus planos para o futuro etc.?

maturidade-e-envelhecimento-no-trabalho-entrevista-dra-arlete-portella-fontes-1Creio que a longevidade impõe um desafio importante à sociedade e, em particular, às organizações. Como manter empregados que estão envelhecendo motivados e produtivos para o trabalho? Essa questão nos remete a dois importantes conceitos no âmbito da ciência que estuda o envelhecimento humano – a Gerontologia: o de qualidade de vida e o de curso de vida.

O modelo de qualidade de vida proposto pelo estudioso Lawton (1983) nos diz que a qualidade de vida refere-se às avaliações que o indivíduo faz, apoiado em critérios pessoais e aqueles ditados pela sociedade em que vive, em relação a quatro domínios:

1. as competências comportamentais, como a saúde, a funcionalidade física, a cognição, o comportamento social e a utilização do tempo;

2. as condições objetivas do ambiente físico e em que medida oferecem acesso, manejo, conforto, segurança, variabilidade, estética, interesse;

3. a qualidade de vida percebida, que diz respeito à avaliação subjetiva que se faz sobre si mesmo em relação às competências comportamentais, por exemplo, o quanto percebo minha saúde como boa ou ruim;

4. o bem- estar subjetivo, que, como o próprio nome diz, reflete as avaliações pessoais que o indivíduo faz sobre o quanto está satisfeito com a sua vida de forma geral e com aspectos específicos dela, como, por exemplo, a saúde física, a cognitiva, a sexualidade, as relações sociais, as relações com familiares e a espiritualidade.

Sentir-se bem inclui, ainda, avaliações que o indivíduo faz sobre seus afetos positivos e negativos. O indivíduo ao longo da vida precisa encontrar um equilíbrio entre suas emoções positivas e negativas, equilíbrio esse que se reflita em sua satisfação com a vida. Sabemos que quanto mais satisfeitos com a vida, mais os indivíduos lidam com as dificuldades que a vida lhes impõe, mais têm condições de enfrentar os estressores que aborrecem.

Os estudos no âmbito da Gerontologia e do bem-estar subjetivo nos dizem que investir em diversos âmbitos da qualidade de vida, em especial aqueles relativos ao fortalecimento dos laços sociais, proporcionado pela família e pelos colegas, dentre eles os de trabalho, pode oferecer garantia de pertencimento a uma rede de relações contínuas e comuns, criando emoções positivas, aumentando a autoestima e o bem-estar subjetivo. Manter relações sociais fortes e apoiadoras está também relacionado a uma adaptação resiliente frente às adversidades e estressores da vida moderna.

Outro conceito importante para a compreensão dos desafios da longevidade é o de curso de vida. Segundo a Dra. Anita Liberalesso Neri, professora e pesquisadora da Unicamp, introdutora da teoria Life-Span (Desenvolvimento ao longo da vida) no Brasil, o curso de vida diz respeito à maneira como as instituições sociais moldam e institucionalizam as trajetórias de vida do indivíduo em relação à sua profissão, à família e à educação.

O curso de vida é um conceito que vem sofrendo modificações nas últimas décadas. No passado, o indivíduo passava o início da vida nos bancos escolares, a vida adulta trabalhando e constituindo família e deixando o lazer como alternativa para a aposentadoria. Hoje, a vida adulta e a meia-idade, além da paternidade e das exigências da profissão, requerem do indivíduo que a aprendizagem seja uma constante em suas vidas, tanto para acompanhar as mudanças tecnológicas no âmbito da profissão exercida, quanto para acompanhar os meios interativos que permeiam a comunicação.

Homens e mulheres estão envolvidos além do papel profissional, também com o papel de cuidar: cuidar de filhos que estão em formação e de pais e familiares idosos, que têm sua autonomia e independência, muitas vezes comprometidas.

A necessidade de cuidado, em especial, frente aos desafios impostos pela longevidade, traz para a empresa o compromisso de investimentos na qualidade de vida, no lazer (não somente como alvo da aposentadoria), no cuidado com as relações familiares, incluindo filhos e idosos. Para ver maiores detalhes sobre alterações do curso de vida, consultar documento Envelhecimento Ativo: um marco para a revolução da longevidade, 2015.

2 – Geralmente os funcionários mais velhos apresentam um vínculo emocional com o trabalho e conseguem controlar melhor as situações estressantes. Entretanto, é comum existir situações de estresse ou preocupações com suas carreiras, especialmente quando as empresas não valorizam sua experiência, acreditam que estejam acomodados com o trabalho ou que podem ser substituídos por pessoas mais jovens e pelas novas tecnologias?

De fato, em minha pesquisa de mestrado estudei as relações entre a capacidade de trabalhadores com funções de liderança em redes elétricas (com idade de 27 a 50 anos) de enfrentar os estressores ocupacionais e o quanto essa capacidade tem relações com a percepção que se tem do estresse, a idade, a função e a maturidade profissional (medida pelo número de anos ocupando funções de liderança). Relações essas que são mediadas pelas crenças que se tem sobre a capacidade de se lidar com tais estressores, quer apoiando-se em recursos próprios, quer apoiando-se em recursos de outros.

Os resultados mostraram que os líderes mais velhos sentiam-se mais capazes de lidar com estressores relativos à organização, às tarefas e à gestão de pessoas. Os mais jovens tinham mais facilidade em apoiar-se em recursos do outro, pedindo ajuda, procurando conselhos, buscando a cooperação, por exemplo, para lidar com suas dificuldades, enquanto que os mais velhos apoiavam-se em seus próprios recursos, incluindo suas habilidades e seus esforços para alcançar seus objetivos.

Esses resultados vêm ao encontro do que a sabedoria popular diz sobre as pessoas mais velhas. Diz-se que elas adquirem sabedoria, ou seja, desenvolvem uma visão abrangente e inclusiva para avaliar os dilemas da vida. Poderíamos dizer que com a experiência as pessoas maduras se voltam mais para o entendimento da natureza humana e, por isso, poderiam lidar melhor com situações muito estressoras, especialmente, aquelas que envolvem conflitos interpessoais.

Voltando à sua questão inicial: as empresas devem substituir a mão de obra experiente pela jovem? Eu diria que as empresas devem dar oportunidades aos mais jovens, que têm ousadia, mais facilidade em utilizar redes sociais e novas tecnologias para resolução de problemas, mas precisam buscar, também, apoiar-se na mão de obra madura, principalmente em funções estratégicas que requerem a avaliação de riscos. Digamos que a experiência adquirida faz diferença na hora de tomar decisões cujos impactos levam em conta critérios relativos à sustentabilidade das ações.

Há um conceito importante dentro da Gerontologia que diz respeito às relações intergeracionais, ou seja, ao quanto se pode aprender com a combinação de jovens e idosos para a resolução de problemas, para aprendizados e para compartilhamento de experiências. Essas trocas podem favorecer a saúde emocional e a qualidade de vida, além de poderem levar à tomada de decisões mais integradas e precisas.

Minha dissertação de mestrado foi concluída em 2006. Nessa ocasião, a mídia refletia organizações desejosas de renovar seus quadros, trazendo para eles a ousadia e, principalmente, o acesso às novas tecnologias, domínio dos mais jovens. Acreditava-se, nessa época, que o velho seria descartado e substituído pelo novo. Em que pesem posições ainda equivocadas em relação às capacidades e habilidades do velho, creio que tem havido uma, ainda pequena, mas, crescente valorização da maturidade.

3 – E no caso dos trabalhadores que têm muitos anos de casa e realmente estão acomodados no atual emprego (seja porque estão próximos da idade de se aposentar e preferem não mudar de emprego agora, ou porque têm medo de trocar de empresa, acreditando que o mercado de trabalho não está aberto pessoas mais velhas)? São situações comuns? O que é possível fazer para eliminar o estresse dessa situação ou procurar se manter motivado?

Acomodação não é um comportamento mais admissível nos dias atuais, nem para jovens, tampouco para os mais velhos. É preciso buscar os motivos da acomodação. Seria medo de enfrentar o novo, falta de confiança em habilidades próprias, sentimentos de incapacidade ou de paralisação frente às exigências atuais, falta de conhecimento? Apenas para citar alguns motivos que podem estar relacionados à aparente falta de motivação.

A aprendizagem tem que ser a tônica de cada uma das etapas do curso de vida. Não se pode mais parar de aprender diante do fato de que estamos vivendo mais. Por outro lado, as organizações podem engendrar oportunidades de aprendizagem sobre o que significa um envelhecimento resiliente, ou seja, um envelhecimento que se apoie em recursos pessoais e sociais para superação das dificuldades. Podem compor equipes de trabalho apoiadas no intercâmbio geracional, podem trazer oportunidades de treinamento e desenvolvimento de habilidades necessárias ao mundo do trabalho, podem repensar jornadas de trabalho exaustivas que poderão implicar em doenças, depressão e ansiedade. Podem ainda criar oportunidades para que o trabalhador gerencie seu tempo.

Gerenciar o tempo significa tornar o lazer parte do cotidiano, de modo a abrir espaço para atividades prazerosas, que tragam distração, alívio de pressões e esgotamento a que todos estamos sujeitos. Creio que proporcionar atividades, debates, discussões, estudos sobre o envelhecimento, projetos de vida, gerenciamento do tempo para valorização do lazer nos dias atuais, pode constituir importante fonte de valorização daquele que envelhece. Essa talvez seja a parcela das organizações em relação aos desafios impostos pela longevidade. Infelizmente, poucas são as experiências nesse sentido. Há muito que se construir em relação à criação de condições para um envelhecimento competente no trabalho. Essa agenda já seria para ontem!

Referências:

Fontes, AP; Neri, AL. (2010) Enfrentamento de Estresse no Trabalho: Relações entre Idade, Experiência, Autoeficácia e Agência. Revista Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, Distrito Federal, 3:620-33.

Neri, AL (2001). Palavras-chave em Gerontologia. Campinas, editora Alínea.

Envelhecimento ativo: Um marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade. Rio de Janeiro, Julho de 2015, Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil).

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